Elzana Mattos

Gotas Acesas -  que jorram infinitamente...do meu ser!

Textos

      Fragmento de Sinais de Mim

Aos amigos do recanto um excerto de Sinais de Mim, onde a personagem faz uma breve análise de sua trajetória


"Fui criada longe de tudo. Com medo de tudo.
Fui uma menina frágil que orvalhava delicadamente no silêncio.
Fui muitas mulheres em uma só. Fui muitas lembranças.
Fui muitas cores que plasmavam muitos amores.
Fui alma penada que perambulava sem saber de nada.
Fui mulher que goza muito e frigidamente fingia muitos e
muitos gozos.

Fui aquela apontada pelas esquinas dos pesadelos. Fui aquela também que tinha muito medo, até da chuva.
Fui inúmeras que se subdividiram em milhares.
Fui a própria exaustão de um ser que se prostrava diante da vida exalando infindas dores praguejadas.

Fui também silêncio e prenúncio de quase nada.
Fui o passo descompassado nas noites de porres e de tórridos desejos. Fui em demasia a própria afasia e despejo de sensações vagas nas calçadas dos entojos.

Fui a outra que quase nunca se mostra e se revela sempre à beira de uma janela, escondida da luz que me fazia tão bela.
Fui o próprio desvelo de um ser em largas e frondosas enseadas, ao qual me entrego.
Fui gota orvalhando sim, na inocência. Fui um pouco de sal e pimenta por vezes. Mas fui também o amargor da ira que se servia de mim em cálice de cristal ofertado numa bandeja de prata.

Fui a dançarina de cabaré que se destina a servil tarefa de estar sempre fina; leve a bailar em muitos braços e receber os amassos da vida.
Fui o pão desamanhecido que não pecou. E se pecou foi por pura sobrevivência.
Fui a sociedade hipócrita que se deitava toda noite comigo, sem diálogo – simplesmente querida – dividida por muitos e (des)escolhida por tantos. Fui santa e puta que afugentou tantas dores; nos encolhos duma vida ressequida, sem valores.

Fui luxúria que se estrangulava na garganta presa da usura que perdura e se espraia na beira das praias do nada; sobrepondo tantas loucuras, que incólume me levavam para os cais do ocaso.
Fui a mole massa falida do homem que não conhece o verdadeiro valor de ser estrada. E estradar ainda na pujança, mesmo desvalido da própria crença.

Fui e fui pelo mundo, na multidão do descaso que me tornava cada vez mais descorçoada.
Fui o desespero dos fracos que se digladiavam nos guetos chorúmicos da letargia. Fui um pouco de tudo e fui quase o nada que se esgueira por um prato de alegria.

Fui farta e fui larga de tristezas nas amarguras do dia a dia. Cotidianamente fui o desconexo do reflexo amordaçado por incontáveis pesadelos.
Fui saindo da beira de um penhasco sem fundo que me atraía todas as madrugadas sem apelos.

Fui muitos sonhos... ora pesadelos."


 
Elzana Mattos
Enviado por Elzana Mattos em 19/06/2015
Alterado em 20/06/2015
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